Sobre vida, arte e dia das mães.

“Eu nasci pobre, mas não nasci otário”.
Sim, é citando "Tamo ai na Atividade", Chorão - Charlie Brown Júnior, que vamos para o meu primeiro texto!


“Chega com respeito na minha quebrada”
Eu não sou só um CPF, eu tenho uma história.


Eu sou filha de mãe solteira, então fui ensinada a ser independente desde criança, pois ela tinha medo de morrer e me deixar desamparada. Aliás, eu fui criada por mães solteiras. A maior parte da minha vida eu morei em um prédio pequeno, desses que tem comércio embaixo e acabam alugando as salas de cima como residência, sabe?! A maioria dos moradores eram mães solteiras e seus filhos. E foi assim que eu aprendi o poder de ser mulher. E o poder de várias mulheres juntas. É aquela máxima de que você não é filho só da sua mãe, mas da comunidade, e sim, a comunidade protege suas crias. O que eu quero dizer? Se tem uma mãe no "rolê", ela não está de olho só nas suas crias, mas nas crias de todo mundo. Se uma precisa trabalhar cedo, a outra cobre, se uma vai chegar tarde, uma outra faz a janta e alimenta "geral". Se uma está desempregada, as outras apoiam. Se um filho erra, todas corrigem. Se um filho acerta, todas se orgulham. E assim vai! Elas dão conta de tudo! A que custo? Não vamos falar sobre isso hoje!


Foi assim que crescer em comunidade me fez entender a força do coletivo. Me fez perceber que mesmo com todas as adversidades, quando a rede se apoia, ah, não tem pra ninguém! Foi assim que aprendi a ser uma mulher forte, determinada e destemida, afinal, eu desconheço outra postura. Nunca esperem menos de mim.


“Tamo aí na atividade”
Minha mãe é a terceira filha dum total de nove! Ela aprendeu a cuidar de tudo e de todos desde muito cedo, mas até hoje tem problemas em aceitar cuidado e reconhecer seu verdadeiro valor. (Olha eu falando um pouco do custo aqui, mesmo dizendo que não ia falar disso!) Ao longo da sua vida laboral, ela foi uma funcionária exemplar. Aquela que é a primeira a chegar e a última a ir embora! Aquela que faz o seu trabalho e o trabalho dos colegas sem reclamar! Aquela com quem todos podem contar, não somente com a sua competência e bondade, mas com a sua sujeição às imposições implícitas!


“Sua atitude é de playboy porque sua vida é muito fácil”
Quando se nasce pobre, você é convencido de que sua vida pode mudar se você se esforçar: esse é o conceito simplório de meritocracia! E nisso você acredita! Você olha a realidade ao redor e tudo que você pensa é: como eu posso melhorar isso aqui, como eu posso crescer? Como eu posso mudar dessa kitnet que milagrosamente cabem 4 pessoas? Como eu faço pra ter um banheiro com box? O que eu posso fazer para que minha mãe não precise acordar de madrugada e limpar escada de prédio para complementar a renda? Para todas as perguntas a resposta sempre esbarra em esforço, em correr atrás, em lutar pelos seus objetivos…afinal a meritocracia é justa e está a favor daqueles que fazem por onde, esses serão sim recompensados!


“Vencer na vida no mundão é pra quem tem coragem”
Assim começa a corrida, você estuda, você trabalha, você trabalha e estuda, trabalha um pouco mais, estuda um pouco mais, você mal vê sua família, você dorme pouquíssimas horas, come quando dá tempo, descansa se der tempo… mas você vai vendo que de fato, as coisas melhoraram! Você deixou de ser pobre? Claro que não! Mas agora você tem uma vida um pouco melhor! Vendo que a fórmula aparentemente dá certo, você continua, na esperança de que a regra sempre vai valer: se você entregar resultado, você colherá resultado! O que não te contam, é que quanto mais você sobe, o resultado por si só já não vale! São acrescentadas outras exigências que, se você não cumprir, não importa quão boas sejam suas entregas, a meritocracia vai fechar as portas pra você! E aqui chegamos no ponto em que eu divirjo da minha mãe! Enquanto ela teve que aceitar todas as regras do jogo até se aposentar, eu “sou completamente louca, mas uma louca consciente!”


“Basta que venha do coração, basta que venha da mente”
Eu tenho muito orgulho da minha mãe, ela é o grande amor da minha vida! Eu costumo dizer que eu não mereço tamanha sorte! Dela eu herdei muita coisa, dentre elas esse senso de competência no trabalho! Eu sei que sou boa! Não importa onde me colocam, não importa a tarefa, o desafio… eu vou render! Eu vou entregar! Ai meu Deus, como ela é "foda"! Não não gente, isso aqui é fruto da necessidade! Eu sou assim, desde meu primeiro emprego, como recepcionista de hotel! Eu coloco muito afinco no meu trabalho, como se minha vida dependesse disso, porque afinal ela depende! Então de certa forma, esse é o meu jeito de jogar o jogo, eu entrego, e entrego muito, porque eu sei de onde eu vim, eu sei o valor de cada pequena conquista. Eu sei que um pouquinho a mais de dinheiro que eu ganho aqui, se converte em bem estar pra minha mãe ali! Se converte em ajuda aos meus! Se converte em plano de saúde, academia, lazer… coisas que na lista do pobre, você só faz se sobrar dinheiro depois de pagar aluguel, água, luz, comida…!


“Agora sei quanto é precioso nosso tempo, a gente tem que dar valor, certas coisas não tem preço”
Agora, diferentemente da minha mãe, eu já não preciso aceitar tudo que me for imposto! Aqui, eu quero que fique claro que jamais será um julgamento às escolhas da minha mãe, pelo contrário, ela fez as melhores escolhas que ela podia, com as ferramentas que dispunha, e graças a ela, hoje eu posso fazer escolhas diferentes! Graças a ela eu aprendi que eu posso apostar alto e perder tudo. Que em algum momento eu vou cair, mas que tá tudo bem se eu souber como me levantar! Que existem valores inegociáveis, que dinheiro nenhum no mundo nunca vai comprar, e que ainda que eles importem somente pra mim, é louvável lutar por eles! Eu aprendi a não ter medo do amanhã, porque ele é incerto não só pra mim, mas pra todo mundo! E quando você vem do nada, o nada não é novidade, ele é familiar, e eu sei muito bem como transitar por ele.


“Eles são gente, mas não são gente como a gente”
Tá Dayane, legal, bacana, então a meritocracia é uma falácia? Utilizando de uma análise bem rasa, ela é, mas não em tudo! Ela te permite subir de uma forma "suave" mas só até um ponto predeterminado, afinal, ela tem que te permitir subir para manter a esperança de que o futuro está apenas em suas mãos, caso contrário, quem continuaria trabalhando sabendo que está fadado ao fracasso? Mas a partir desse ponto predeterminado, vai depender do que cada um pode ou está disposto, a aceitar ou abrir mão, para continuar subindo! E não, não se engane, a trilha não é feita para você subir até chegar no topo, a ponto de ficar rico, mas isso é assunto para outro texto, um que fale sobre meios de produção e consciência de classe!


“Me diz então, o que na vida posso ter? Como o mundo deve ser, com as balizas do nosso sistema?”
No fim, muita coisa depende das suas escolhas, da sua história, das suas vivências! A premissa é: não se pode ter tudo, essa é uma das regras mais básicas do jogo! Mas você pode tentar maximizar os ganhos das melhores combinações possíveis que estão disponíveis no seu rol de escolhas. É como dizem: escolha suas batalhas! Faça o seu melhor, ajude as pessoas, seja bom com elas. Nunca esqueça quem você é e de onde você veio. Exerça seus direitos, os que te antecederam lutaram muito por eles. Entregue seu conhecimento com paixão e dedicação. Deixe um legado a ponto de ser lembrado pelos seus feitos, mas não, não entregue tudo de si. Não se aperte para caber. Não se diminua para agradar. O seu jeito é o que te diferencia dos outros, e ser igual é muito chato. Saiba seu valor e se orgulhe dele. Coloque sua cabeça em paz no travesseiro e saiba que o que é seu, tá guardado.


“Não, eu não me sinto mal, eu quero mais é que eles queimem na fogueira das vaidades! Eu dou valor nas coisas simples, eu sou o valor das coisas simples.”
Obrigada, Chorão, sua música vai além da arte.
E feliz dia das mães, mãe. O maior presente que eu posso te dar, é ser uma mulher forte como você. Acho que estou no caminho certo.

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